Zura

uol

jacotei

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Estima-se que no Brasil a cada dia uma mulher é assassinada pelo seu companheiro. De cada três mulheres do mundo, uma já sofreu espancamento ou abuso sexual, segundo dados da ONU (link via Leiloca). 70% das mulheres vítimas de assassinato no mundo foram mortas por seus próprios maridos.
Os números não devem chegar a surpreender ninguém, mas é útil recordá-los àqueles que estão sempre prontos a criticar e ridicularizar o dia da consciência negra, o dia da mulher ou o dia do índio. Para eles, o macho adulto branco no comando também deveria ter o seu dia, ou não deveria haver dia para ninguém: trata-se, claro, de uma forma de negar o problema e tentar escondê-lo.
Há uma série de formas de violência que vitimam especificamente, ou prioritariamente, as mulheres. Das mais nefastas, o estupro: estima-se que menos de 10% dos estupros aparecem nas estatísticas, por razões que qualquer vítima entenderia muito bem.
Em anos de trabalho próximo ao núcleo de mulheres do PT-MG, pude constatar o calvário que é fazer um boletim de ocorrência de estupro no Brasil. Há uma perversa lógica machista que torna a vítima de estupro, por antecipação, uma ré num tribunal onde os juízes são invariavelmente homens que jamais pararam para refletir um minuto sobre o que deve ser passar por essa experiência: "O que você estava vestindo?", "Você o provocou?" "Você disse ou deu a entender algo que o possa ter levado a fazer isso?" Se a vítima, por qualquer razão, demora para denunciar, esse próprio intervalo já é outro motivo de suspeita: "Por que só denunciou agora?" E por aí vai. Quando nos damos conta, a vítima já está no banco dos réus. As delegacias de mulheres têm sanado, muito parcialmente, esse problema.
Há um belo livro recente coordenado por Cecília de Mello e Souza e Leila Adesse que oferece um estudo detalhado do porquê do silêncio sobre a violência sexual no Brasil. Naturalmente, aqueles que condenam as mulheres que fazem abortos clandestinos (ao invés de lutar para que o aborto deixe de ser ilegal) refletiram pouco sobre qual é o contexto no qual uma mulher estuprada é obrigada a narrar sua história para conseguir abortar legalmente.
Uma vez, quando eu descrevia a alguém um quase-estupro sofrido por uma conhecida, o primeiro que escutei foi: É.... fulana é muito bonita. Naquele contexto, o elogio da beleza da vítima me pareceu a coisa mais ignóbil. Avalizava o estuprador. Encerrei o assunto antes que aparecesse a pergunta sobre se a vítima estava de mini-saia.
Mil outras formas de violência contra a mulher têm lugar não nos atos, mas na linguagem. São formas diferentes de violência e como tais devem ser tratadas. A essa distinção, e à dificuldade de fazê-la em determinados contextos, a feríssima Judith Butler dedicou um belo livro, sobre palavras que ferem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário